Eis a sessão pela qual eu estava mais nervoso de mestrar.
Como dito no primeiro post dessa série, a primeira mesa que eu participei de D&D foi jogando como bardo. Essa não é uma classe fácil de se jogar para um iniciante. Por isso, o DM dessa mesa decidiu que simplificaria as regras pra facilitar a gente de jogar. Sendo assim, não precisamos de componentes pra castar spells, muito menos de concentração nem nada.
Em compensação, só poderia ser usado um spell por turno. Se você usou Silvery Barbs como reação para alguma coisa, sua ação tem que ser algum ataque, por exemplo. Isso simplifica as coisas quando se é iniciante.
Mas agora eu sou um mestre. Numa mesa com seis jogadores que não são iniciantes, que concordaram comigo em jogar D&D com todas as regras que tem direito.
Grande parte do meu tempo na preparação inicial foi tentando montar esse encontro de combate. O problema em mãos era criar uma luta que encaixasse na lore e que fosse moderadamente difícil pra seis jogadores nível 1.
Tinha duas opções: cultistas contrários à nossa clériga ou bandidos que querem roubar aventureiros jovens. A nível de worldbuilding, o segundo é muito mais fácil de justificar do que o primeiro, então fui com bandidos.
Mas como eu vou saber se eu não tô pesando a mão? Eu sei que CR é uma ferramenta pra isso, mas não sabia muito bem como usá-la. Foi aí que uma série de sites me ajudaram a montar o combate:
Tendo esses sites em mãos, eu fiz algo que se pode considerar… psicótico? Não sei. Criei um encontro com alguns bandidos e um capitão bandido. Segundo o mano Kobold, era um encontro moderado para difícil. Depois, botei as fichas deles e a da minha party inteira no Improved.
Com isso tudo em mãos, eu joguei o combate umas duas vezes controlando todo mundo pra ver se a party tinha chances.
Quase fiz o Aubrey e a Lillian morrerem.
Talvez eu não seja um jogador de D&D tão bom assim. Independentemente, me dei por satisfeito com o resultado. Eles conseguiam sobreviver! O que podia dar errado?
Até que eu recebo uma DM.
Uma única DM que muda tudo. Um player com um sonho que eu não tenho coragem de negar.
Minha preparação? Não importa. Os testes que eu fiz? Irrelevantes.
As chances da party de sobreviver o combate?
Você vai ter que descobrir por você mesmo! Bem vindo à…
É uma estrada de pedra cercada de grama pelos lados, com algumas árvores altas espalhadas decorando o ambiente. Era manhã ainda, então conseguiam ver bem o caminho à frente. A cerca de dez metros havia uma pessoa sentada no chão, vestindo um capuz e com a mão estendida, palma para cima.
Estranho. Mas não era a maior das preocupações da party no momento. Eles estavam muito ocupados vendo uma discussão acalorada entre Lari e Gepeto.
O warforged percebeu que Andrômeda estava meio para baixo, então queria animá-la. O problema? Não sabia exatamente como. Por isso, foi no mais seguro: crianças gostam de doces, né? Ele tinha comprado alguns!
Lari não queria nem saber. Não viu de onde veio e não sabia a procedência daquela bola amarela que o Gepeto estava estendendo para a criança. Tinha certeza que não era coisa boa.
Mas Andrômeda não desconfiava de nada. Pelo contrário, estava felicissima que tinha recebido um docinho do Gepeto. Enquanto esticava a mão para pegar o doce da mão do companheiro, foi frustrada por uma Lari que, no desespero, tirou a bola da mão do autômato e botou na boca.
Eu não consigo imaginar o que pode acontecer quando uma pessoa bota uma bola feita inteiramente de curry na boca. Imagino que seja desagradável. Ademais, Lari começou a tossir violentamente, enquanto Gepeto e Jorc se perguntavam o porquê de uma senhorinha vender doces que não eram doces.
Bom, ainda tinham uma outra bola rosa no inventário. Qual o sabor? Ninguém queria descobrir.
Enquanto Lari virava uma garrafa de água inteira pra tentar tirar a quantidade obscena de pó de curry da boca, o grupo seguiu o caminho. Gepeto, porém, percebeu algo. Não era muito fácil de perceber, mas o homem é bom de dado.
Atrás de alguns grupos de árvores haviam sombras. Não pareciam grandes demais para serem monstros, nem pequenos demais para serem animais de pequeno porte da região.
Todos os instintos de Gepeto diziam que eram pessoas. Isso não era bom.
Gepeto avisou o grupo para ficar alerta e foi na frente, iniciando contato com o indivíduo na beira da estrada. O homem pedia esmola, como esperado, mas nosso guerreiro não estava muito convencido na história. Tinha que adotar métodos não convencionais para desarmar o homem.
Pelo menos é isso que eu acho que ele pensou na hora, porque ele puxou da mochila a bola rosa que tinha e colocou sobre a palma aberta do homem.
“Isso é… por que você está me dando pimenta rosa?”
Lari deu graças à deusa que não teve que descobrir isso do mesmo jeito que fez com o curry.
Gepeto aproveitou a confusão do homem e disse: “Isso consegue ajudar você e os seus amigos?”
“Bom, isso adianta as coisas”, respondeu o homem. Seus companheiros, reconhecendo que tinham sido descobertos, foram saindo das árvores que usavam como esconderijo. Nossos heróis eram a minoria. “Entreguem a garota e ninguém se machuca.”
Você imaginaria que esse é o momento eu falo “rolem iniciativa”, né?
Errado. Antes que eu pudesse sequer começar a falar a frase, Teclis, que estava vendo tudo aquilo até então calado, lançou um “GM, eu quero usar Mage Hand pra pegar a bola de pimenta e enfiar ela na cara dele”.

Os dados desse dia estavam afiadíssimos. Era uma rolagem difícil, afinal essa bolinha era feita de pó do tempero arrumado de uma forma compacta. Se Teclis apertasse muito, ela seria desfeita no ar antes que chegasse no homem.
Mas quando chega na hora, o homem não erra. Com precisão cirúrgica, Teclis manifesta uma mão mágica no ar, pega a bola de pimenta e espatifa ela na cara do bandido!
Foi um negócio tão bonito que eu não tive como não premiar a atitude. O primeiro turno do bandido seria gasto com ele se recuperando da crise de tosse e irritação que a pimenta causou.
E dito isso…
Aqui entra o adendo de que tem um tempo desde que essa sessão aconteceu, então os pormenores da ordem foram perdidos com o tempo. Não que eu fosse escrever tudo turno a turno, mas eu não serei tão fiel aos fatos quanto posso ser.
O que não importa muito, porque eu tenho muito bem gravado os highlights da batalha.
Antes de mais nada, o capitão dos bandidos ter perdido um turno foi perfeito pra eles, porque era o inimigo mais forte do combate. O resto dos bandidos fez o possível para tentar compensar esse desfalque, mas a party não deixou barato pra eles.
Quem teve a péssima ideia de atacar qualquer um perto do Gepeto teve o desprazer de descobrir que ele consegue atacar e defender! Muitos golpes possivelmente foram mitigados pelo warforged.
Lari ficou para trás, com o objetivo principal de proteger a Andrômeda. Não foi em vão, pois alguns bandidos foram em direção à garota. Porém, sua proteção era mais fazer corpo mesmo, porque todo ataque que ela desferiu foi acompanhado de um dado criminosamente baixo.
Teclis e seus mísseis mágicos foram responsáveis por finalizar alguns bandidos. Claro, fisicamente, porque mentalmente ele conseguiu um outro tipo de destruição em cima dos atacantes. Suas intimidações eram tão boas que um dos bandidos começou a fugir da batalha!
Mas ninguém esperava o que Aubrey faria. Até eu, com minha informação privilegiada, não poderia imaginar. Devo lembrar-los, eu recebi uma mensagem.
“Coe GM, posso ver um negócio contigo?”
Aubrey vê o líder dos bandidos atordoado pela pimenta e não pensa duas vezes. É o seu momento de brilhar. Sem titubear, ele corre em direção ao homem com todo o ódio no coração.
“Fala, meu consagrado, o que foi?”
Chegando perto de seu alvo, Aubrey remove seu robe mágico, rasgando-o em pedaços com os próprios braços e revelando… um anão? Usando picaretas como pernas de pau?!
“Eu tava pensando num negócio aqui…”
De suas costas ele puxa um martelo de guerra e, segurando-o com duas mãos, ele dá-lhe uma lapada bem na têmpora do homem atordoado, acertando-o em cheio!
“…tem como eu mudar de personagem?”
Para o surto coletivo de todos os presentes na chamada, no segundo turno Aubrey, ou melhor, Rorick HardHand anuncia que entrou em rage.
Quem tinha chance contra eles? Dois na linha de frente, Gepeto protegendo seu mais novo amigo de martelo de guerra. Lillian dando facada no fígado de qualquer um que não estivesse prestando atenção. Lari, Teclis e Jorc reforçando com magias.
Quando os HPs ficaram baixos, dois bandidos tentaram uma fuga desesperada. Um, lacaio que foi ameaçado por Teclis com sucesso. O outro, o próprio líder, vendo que não tinha chances contra o grupo.
E a cereja no bolo? Com uma faca arremessada por Lillian e nada mais nada menos que um Vicious Mockery de Jorc, ambos foram finalizados!
Enquanto o grupo fazia o clássico loot dos corpos e Lari tentava tapar os olhos de Andrômeda, que presenciara uma chacina de camarote pela primeira vez na vida, encerramos essa sessão!
Eu não posso dizer que estou confiante com minha capacidade de criar e mestrar batalhas para meus jogadores, mas pelo menos eu não dei um TPK neles que nem a primeira luta que mestrei!
Não que eu não tivesse planos pra caso isso acontecesse (inclusive fica a dica: tenham o pior caso possível em mente), mas pelo menos não tive que usá-lo.
Não fui completamente inocente nessa batalha: dei uma facilitada num turno permitindo que Jorc conseguisse usar Tasha’s Hideous Laughter sem a concentração necessária, o que foi vacilo meu. Claro, isso aconteceu muito por influência do estilo de mestrar da minha outra mesa, mas eu deveria ter me atentado também.
Falei muito, então vou terminar aqui por hoje. Sessão que vem temos momentos emocionantes, assim como a minha segunda grande falha como GM nessa mesa…